Sem Berço
Evandro Prado
Quando eu sair daqui, vamos começar vida nova numa cidade antiga, onde todos se cumprimentam e ninguém nos conheça. Vou lhe ensinar a falar direito, a usar os diferentes talheres e copos de vinho, escolherei a dedo seu guarda-roupa e livros sérios pra você ler. Sinto que você leva jeito porque é aplicada, tem meigas mãos, não faz cara ruim nem quando me lava, em suma, parece uma moça digna apesar da origem humilde.
Ouço vozes e posso deduzir que são pessoas do povo, sem grandes luzes, mas minha linhagem não me faz melhor que ninguém. Aqui não gozo privilégios, grito de dor e não me dão meus opiáceos, dormimos todos em camas rangedoras. Seria até cômico, eu aqui, todo cagado nas fraldas, dizer a vocês que tive berço.
Tive pena porque para o velar só havia mamãe e eu, me admirou que não comparecessem autoridades, marechais, nem um representante
da família real.
Trechos do livro “Leite derramado” de Chico Buarque